sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O maestro noturno

Rosa Oliveira Da Silva Leme.
O MAESTRO NOTURNO


Enquanto um vento sorrateiro passa mansinho entre as árvores de fogo que vivem na face escura da lua, um homem vestido de preto rege o silêncio do cemitério.
Entre os pequenos edifícios, cresceram orquídeas tão cálidas, tão suaves, tão frágeis! Com os olhos roxos olham as amigas, rosas, cravos, dálias, jasmins. As orquídeas lamentam a breve vida e perguntam umas para as outras.
- Por que não podemos viver tanto tempo assim, como as outras flores?
É quando o som da orquestra levanta os cadáveres do limbo e dos sepulcros caiados. Eles levantam ao desmaiar da tarde e saem passeando entre os túmulos com cautela, pois os corvos estão à espera de uma boa carne...
É para eles que o maestro rege o som nostálgico, para seus corpos que vagueiam nas noites frias, neutras, caladas. No meio do breu, o vento espalha as folhas secas das árvores cinza. Os negros pássaros passam com seus passos lentos. São pássaros de grasnos agourentos que celebram a dor, ao som da música dos surdos instrumentos...
O som toca fundo nas feridas dos corpos: Bem ali na frente do homem de capa preta aparecem duas noivas sentadas sobre os túmulos mais antigos. Elas vestem seus véus de neve cobrindo as faces, como escondendo um segredo.
As noivas. Parecem agitadas, preocupadas com os cães da noite. O Maestro pensa ouvir uma conversa... Fica pasmo, congela o gesto e percebe quando a noiva magra e alta fala para a amiga mais frágil.
- Cuidado, Perpétua, quando você passear pelo o jardim de rosas embutidas no cimento!
- Ora, Beth, porque tenho que tomar cuidado quando saio para meu passeio?
Beth responde:
- Perpétua! Como você é inocente! Não vê os perigos ao cair da tarde, amiga? Pois os cães da noite estão soltos e farejam nossas mãos.
O maestro então num súbito susto exclama:
- As noivas estão vivas!
Aproxima-se das duas, inclina o corpo, estende as mãos trêmulas:
- Boa noite, senhoritas! Sou o Maestro, a seu dispor...
Com cortesia, as moças se apresentam:
- Meu nome é Beth. Prazer em conhecê-lo. Esta é minha amiga Perpétua...
- Encantada! – diz a outra - Você é maestro? Que interessante!
O Maestro não consegue parar de olhar para Perpétua, paralisado que está com tão pálida beleza... Depois pergunta:
- É vocês que limpam as flores?
- Não, não, moço... Estamos só passeando, despertas por tão doce sinfonia... – responde com ar faceiro a primeira noiva - Passeamos há muito tempo por aqui... Nossas casas ficam logo ali naquela esquina...
- E desde quando vocês passeiam por este jardim cinza?
Perpétua responde espontaneamente:
- Não faz muito... Uns 300 anos talvez...
O homem tem um súbito mal estar e quase já desfalecendo lembra-se do gelo.
- Oh!!! As Noivas Suicidas!!! Eram vocês o gelo que secava as estrelas de madeira...
Então o local encheu-se de um ruído semelhante a um trovão e um vento forte. Uma força invisível derruba-o ao chão.
As duas puxam-no para uma cela que parecia um circulo interminável. A cela era feita de barro com paredes de metal escuro e uma porta de ferro... O homem olha ao redor e descobre que está dentro de uma caixa, coberto pela névoa suja e acinzentada. Na parede vê umas linhas traçadas com a inscrição “Aqui Jaz...”.
Tenta gritar, mas já sente o gelo queimando-lhe o peito... Olha para a própria dor mas só pode ver um buraco no peito vertendo sangue sem parar...



Conto classificado na oficina de analise literária